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Trabalhos “malfeitos” com IA causam prejuízos e mostram o perigo do uso sem controle

31 de outubro de 2025 |
06:09
Imagem: Reprodução

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As empresas nunca investiram tanto em inteligência artificial e, ironicamente, nunca pareceram tão carentes de inteligência real.

Um levantamento do MIT Media Lab mostra que o número de organizações com processos baseados em IA quase dobrou em um ano, acompanhando o salto no uso entre funcionários desde 2023.

Mas junto com o entusiasmo veio um efeito colateral: o workslop — junção de work (trabalho) e slop (desleixo) —, termo usado para descrever tarefas superficiais geradas por IA que exigem retrabalho humano para ganhar coerência e contexto.

O impacto é mensurável. Segundo o BetterUp Labs, em parceria com o Stanford Social Media Lab, 40% dos profissionais nos EUA receberam, no último mês, algum conteúdo feito por IA que precisou ser refeito.

Cada ocorrência consome, em média, 1h56 de retrabalho, o que representa US$ 186 por funcionário por mês. Em uma empresa de 10 mil colaboradores, o prejuízo anual ultrapassa US$ 9 milhões.

 

A culpa não é da IA

O fenômeno não decorre da tecnologia em si, mas da forma como ela é usada. Segundo a pesquisadora Kate Niederhoffer, coautora do estudo, “o workslop é o equivalente digital de entregar algo ‘meia-boca’ e deixar para o outro resolver”.

Muitas vezes, explica ela, profissionais recorrem à IA para cumprir tarefas rapidamente ou atender à liderança sem reflexão crítica. “O resultado são trabalhos visualmente polidos, mas intelectualmente rasos”, explica.

Para o especialista em transformação digital Danilo McGarry, referência global em governança de IA, o problema começa na estratégia corporativa.

Durante palestra no AI Bank Summit 2025, McGarry afirmou que “o primeiro passo não é substituir pessoas por máquinas, e sim melhorar processos. Só depois disso a automação faz sentido”.

 

 

De acordo com McGarry, a pressa por ganhos imediatos leva empresas a automatizar sem entender seus próprios fluxos internos.

“O sucesso na era da IA depende de uma estrutura de governança sólida e de líderes preparados para lidar com a velocidade das transformações”, afirmou.

Isso inclui definir padrões de qualidade, limites de uso e métricas de impacto sobre produtividade e cultura organizacional. Sem essas diretrizes, o entusiasmo tecnológico se transforma em ruído.

Além do desperdício de tempo, o workslop tem um custo invisível: a perda de confiança entre as equipes.

O estudo do BetterUp mostra que 42% dos funcionários que receberam material gerado por IA passaram a ver os colegas como menos competentes, e 53% relataram frustração ao perceber que o conteúdo havia sido criado por máquina.

“A IA pode ser uma ferramenta poderosa de colaboração — ou um agente de alienação. Depende de como é implementada”, resume McGarry.

 

Como transformar a IA em valor real

Para a pesquisadora Fabiana Raulino, professora e referência em inteligência artificial generativa aplicada à educação e ao empreendedorismo no Brasil, o workslop revela menos sobre os limites da tecnologia e mais sobre a forma como as pessoas estão lidando com ela.

Segundo ela, o erro está em usar a IA como atalho — e não como ferramenta de ampliação de pensamento. “A IA não é o problema. Ela reflete o que entregamos a ela. Se o comando é raso, o resultado será raso”, explica Raulino.

Usar a IA de maneira inteligente significa automatizar o que é repetitivo e reservar o humano para o que é criativo, crítico e estratégico. Isso inclui definir bem o contexto das tarefas, estruturar prompts mais completos e investir em letramento digital — a capacidade de compreender e direcionar a tecnologia.

Raulino lembra que, quando bem utilizada, a IA gera ganhos reais de produtividade, inclusão e aprendizado. Ela cita avanços em diferentes áreas: estúdios independentes criando jogos de qualidade antes restrita à indústria triple A, pesquisadores acelerando suas descobertas com ferramentas como Perplexity e Connected Papers, e profissionais que hoje produzem relatórios, vídeos e apresentações em minutos com qualidade superior ao que fariam sozinhos.

“O ponto não é usar IA para fazer o seu trabalho, mas para liberar tempo para o que realmente importa: pensar, criar e decidir melhor”, afirma.

Estudos da McKinsey reforçam essa visão: a adoção estratégica da IA pode adicionar US$ 4,4 trilhões em produtividade à economia global nos próximos anos.

O desafio das empresas em 2026 será equilibrar eficiência operacional e profundidade intelectual. Isso significa abandonar o uso indiscriminado e adotar uma mentalidade madura: usar menos, mas usar melhor. Isso porque produtividade não nasce da automação, mas sim da intenção, da coordenação e da qualidade humana por trás da tecnologia.

Fonte: InfoMoney