Advogados tributaristas avaliam que a taxação de dividendos no exterior e a alíquota mínima, que é gradual e vai incidir sobre os mais ricos (com renda anual de R$ 600 mil, podendo chegar a 10% para quem ganha acima de R$ 1,2 milhão) são os pontos do projeto de lei do Imposto de Renda aprovado pela Câmara que mais tendem a provocar ruído e reclamações.
Isso porque o Brasil não tributava a distribuição de lucros e dividendos, o que, segundo os especialistas, acabava sendo um atrativo para o investimento estrangeiro.
“A alíquota de 10% de Imposto de Renda na fonte sobre lucros e dividendos remetidos ao exterior representa uma quebra de paradigma. Essa mudança pode ser vista como um fator de desestímulo ao capital externo, gerando reclamações de investidores internacionais e de empresas com participação estrangeira, que terão seus retornos líquidos reduzidos”, explica Morvan Meirelles Costa Junior, sócio do Meirelles Costa Advogados.
Ele destaca a complexidade do mecanismo de créditos para não residentes, que depende de regulação futura, além do prazo para sua execução, de 360 dias, como geradores de incerteza.
“A incidência do IR na fonte sobre dividendos pagos a investidores estrangeiros vai gerar debate. As multinacionais vão sofrer. Haverá um retorno menor diante da carga tributária maior. Dos lucros que remeteria, 10% vão ficar retidos. Associações comerciais bilaterais já vêm se pronunciando sobre isso”, diz Hermano Barbosa, sócio tributarista do BMA Advogados.
O tributarista José Luis Ribeiro Brazuna, sócio do escritório Bratax, alerta que o crédito ao investidor que vive fora do país passou a ser tratado com um regime “opcional” no texto aprovado pela Câmara. Com isso, se a regulação não vier, continua ele, há o risco desse investidor acabará não conseguindo exercer essa “opção” e recuperar parte do imposto retido.
Já Guilherme Klein, professor da Universidade de Leeds (Reino Unido) e pesquisador do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades/USP, avalia que essa taxação de dividendos não afetará investimentos no país:
“A recuperação dos créditos vai depender também de como cada país vai tratar, se vão compensar por lá ou não. Mas já é algo que estava nos cálculos. Nada indica que um investidor, uma multinacional vai deixar o Brasil.”
Para Costa Junior, entretanto, o ponto mais sensível das mudanças no IR é a taxação dos mais ricos, com alíquota alcança 10% para renda de R$ 1,2 milhão ao ano. A medida atinge um público que, muitas vezes, utilizava estruturas legais para “otimizar” sua carga tributária, valendo-se de rendimentos isentos ou tributados exclusivamente.
“A inclusão de diversos tipos de rendimentos (como alguns financeiros) na base de cálculo dessa tributação mínima alterará drasticamente o planejamento financeiro e tributário de muitas pessoas com alta renda. A percepção de que rendimentos já tributados ou isentos estão sendo “bitributados” ou “tributados novamente” será um forte ponto de descontentamento”, explica, lembrando que essas duas novidades podem ter impacto inclusive no planejamento sucessório e patrimonial de famílias mais ricas. “Estruturas que antes eram eficientes para a transmissão de bens e rendas precisarão ser revistas.”
Em paralelo, Francisco Leocádio, sócio do escritório Souza Okawa, avalia que a nova tributação assegura proteção em relação aos lucros já auferidos até 2025, era uma das principais preocupações dos contribuintes. Isso evitará efeito retroativo na cobrança de imposto.
“Nesse aspecto, o projeto aprovado na Câmara representa um avanço em relação às versões iniciais”, diz ele.
Ao mesmo tempo, a não tributação de lucros aprovados até 31 de dezembro de 2025 cria uma janela de oportunidade que pode levar a uma corrida de “distribuições de lucro”. Embora legal, dizem os tributaristas, isso pode gerar impacto no fluxo de caixa das empresas, por exemplo.
Mas, mesmo em relação à distribuição de lucros e dividendos apurados a partir de 2026, a expectativa dos advogados é que os contribuintes continuem buscando estratégias que possam minimizar o impacto dessa oneração. Isso deve provocar conflitos com a Receita Federal, caso se entenda que houve distribuição disfarçada de lucros, lembra o advogado Alessandro Borges, sócio do Benicio Advogados.
Os tributaristas afirmam que que a abrangência da base de cálculo da tributação mínima também pode gerar dúvidas de interpretação. Eles observam que, embora o projeto liste diversas exclusões — como rendimentos de poupança, LCI, LCA, CRI, Fiagro/FII com 100 cotistas —, a regra geral de incluir “todos os rendimentos recebidos no ano-calendário” (inclusive os tributados de forma exclusiva ou definitiva e os isentos ou sujeitos à alíquota zero ou reduzida) na base de cálculo acaba criando certo ruído.
Na prática, dizem, a Receita Federal terá um grande desafio em emitir normativos claros, que detalhem o tratamento de cada tipo de rendimento e as exclusões, evitando imprecisões que levem a questionamentos judiciais.
Heitor Cesar Ribeiro, sócio do Gaia Silva Gaede Advogados, observa que os ganhos rurais acabaram tendo uma tributação mais favorável do que o IR mínimo. Por exemplo, para cálculo da renda anual de R$ 600 mil poderão ser compensados prejuízos de anos anteriores.
Além disso, atualmente, a renda da atividade rural tributada corresponde a 20% do resultado da operação no ano. O produtor deduz de suas receitas, as despesas e investimentos do período para chegar a esse resultado. E isso foi mantido no projeto. Somente esses 20% do resultado entrarão na base de cálculo da tributação mínima.
Ele pode também optar por uma base presumida, aplicando 20% sobre a receita bruta recebida durante o ano.
“Caso adote a base presumida, a tributação mínima do IR alcançará a parcela que exceder a 20% de sua receita bruta. Assim, na prática, a tributação mínima alcançará somente o produtor rural que tenha auferido receita bruta superior a R$ 3 milhões no ano, após a compensação de prejuízos de anos anteriores”, calcula o advogado.
Klein entende que dificilmente o Senado vai alterar algo nesse ponto:
“Os produtores rurais temiam que a taxação fosse sobre o faturamento, mas será sobre o lucro. E faz sentido porque é uma atividade de muita flutuação em preços e insumos.”
A Confederação Nacional de Municípios (CNM) comemorou a inclusão de emendas sugeridas pela entidade no PL do IR que evitarão perdas de cerca de R$ 40 bilhões para os orçamentos municipais. Entre elas, por exemplo, está uma mudança na emenda 589, que corrige a calibragem da alíquota do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) estadual e municipal.
Na semana passada, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado havia adotado para esta calibragem a receita de ICMS e ISS referentes aos anos de 2012 a 2021, em proporção do Produto Interno Bruto (PIB). Pelos cálculos da CNM, isso reduziria a receita própria dos municípios dos atuais R$ 157 bilhões para cerca de R$ 120 bilhões.
Já o texto aprovado no plenário do Senado, e votado pela Câmara, incluiu a sugestão da CNM estabelecendo que a calibragem das alíquotas do IBS tivesse como referência a receita média de ICMS e ISS no período de 2024 e 2026, igualmente em proporção do PIB, evitando as perdas apontadas pela entidade.