O mercado de apostas esportivas no Brasil vive um paradoxo. Em meio à arrecadação recorde de tributos e à consolidação de grandes empresas no país, o governo federal e o sistema financeiro intensificam o cerco às operações irregulares. Ao mesmo tempo, cresce o debate sobre o aumento da carga tributária, o que tem provocado apreensão entre companhias legalizadas e especialistas do setor.
A Federação Brasileira de Bancos (Febraban), por exemplo, anunciou que as instituições financeiras passarão a adotar medidas mais rigorosas para bloquear movimentações suspeitas e cancelar contas de bets irregulares.
A iniciativa faz parte de um esforço conjunto entre o Banco Central e o Ministério da Fazenda para combater o uso do sistema bancário em atividades ilícitas. Desde janeiro, quando a lei que regulamenta as apostas esportivas entrou em vigor, empresas precisam ter licença provisória ou definitiva emitida pela Secretaria de Prêmios e Apostas para operar no país.
Apesar disso, o mercado ilegal ainda representa quase 40% do total de apostas no Brasil, segundo estimativas do setor. Associações que representam as principais casas legalizadas afirmam que as plataformas clandestinas movimentaram mais que o dobro das empresas regulares no primeiro trimestre do ano. Esse cenário não apenas prejudica a arrecadação de impostos, mas também compromete a segurança dos apostadores, expostos a riscos de fraudes e ausência de garantias.
“Além de fraudar os cofres públicos ao não recolher impostos, o mercado ilegal coloca os apostadores em risco, sem proteção de dados e sem regras claras”, alerta Bernardo Cavalcanti Freire, consultor jurídico da Associação Nacional de Jogos e Loterias. Para ele, o bloqueio de sites clandestinos e a restrição de meios de pagamento são medidas essenciais para garantir um ambiente de apostas seguro e confiável.
Arrecadação acelera
O impacto financeiro do setor regulado é expressivo. De acordo com dados da Receita Federal, o governo arrecadou R$ 6,8 bilhões em tributos das empresas de betting em 2025, crescimento de cerca de 17.000% em relação ao ano anterior, quando o valor foi de apenas R$ 38 milhões.
Estima-se que mais de R$ 4 bilhões tenham vindo diretamente de impostos sobre operações e licenças, enquanto o restante decorre de repasses obrigatórios para o esporte e programas sociais.
No primeiro semestre de 2025, as casas de apostas destinaram R$ 773,9 milhões ao esporte brasileiro. Os repasses beneficiaram o Ministério do Esporte, o Comitê Olímpico e o Comitê Paralímpico Brasileiro, além de outras entidades. “O setor impactou positivamente o país com geração de empregos, investimentos no esporte e bilhões de reais em impostos”, afirma Alex Rose, CEO da empresa internacional de tecnologia InPlaySoft.
O crescimento do setor também transformou o futebol nacional. Atualmente, todos os clubes da Série A do Campeonato Brasileiro possuem contratos com empresas de apostas esportivas, e em 90% dos casos essas companhias ocupam o posto de patrocinadoras principais. O acordo mais valioso do país foi firmado entre o Flamengo e a Betano, com cifras próximas a R$ 268 milhões por ano.
Mesmo com números robustos, o governo federal ainda busca elevar a tributação sobre o setor. Publicada no fim de 2023, a lei fixou a alíquota de 12% sobre o faturamento das empresas, mas em junho o Ministério da Fazenda propôs elevar o percentual para 18%.
Após resistência no Congresso, o deputado Carlos Zarattini retirou o aumento do texto da Medida Provisória 1.303. Dias depois, porém, o líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias, apresentou nova proposta, desta vez sugerindo que o imposto suba para 24%.
A possibilidade de um novo aumento gera críticas de empresários e especialistas. “A elevação da taxação poderia destruir o setor das apostas esportivas no Brasil. Seria um sinal de insegurança jurídica e de desconhecimento sobre a dinâmica do mercado”, afirma Bernardo Cavalcanti Freire.
O temor é de que a medida desestimule empresas regulamentadas e favoreça novamente o mercado clandestino, responsável por grande parte das perdas fiscais.
Segundo levantamento da LCA Consultores, o Brasil deixou de arrecadar entre R$ 1,8 bilhão e R$ 2,7 bilhões apenas no segundo trimestre de 2025 devido à atuação de sites ilegais. O estudo mostra ainda que 78% dos apostadores têm dificuldade para identificar plataformas legais e quase metade já depositou dinheiro em sites falsos.
Para Marcos Sabiá, CEO da Galerabet, o combate à clandestinidade deveria ser prioridade do governo. “Se o objetivo é aumentar arrecadação, a medida mais eficiente seria eliminar o mercado ilegal. Isso poderia dobrar a receita do setor, além de proteger o consumidor e reduzir crimes financeiros”, avalia.
O sistema financeiro brasileiro tem desempenhado papel central nesse combate. Empresas de tecnologia financeira e processadoras de pagamento, como a Paag, passaram a bloquear transações suspeitas e a operar apenas com casas de apostas regulamentadas. “Sem meios financeiros, as operações clandestinas perdem força. A regulamentação foi um marco, e permitir que esse avanço seja comprometido por práticas ilegais seria um retrocesso”, afirma João Fraga, CEO da Paag.
A pressão sobre o setor não deve diminuir. Nesta semana, o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues, confirmou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva determinou a retomada das discussões sobre o aumento da tributação de bets e fintechs. “O governo vai insistir na linha de que bets e bancos precisam ser tributados”, disse o senador.
O embate entre arrecadação e competitividade segue aberto. De um lado, o governo busca ampliar receitas em um setor que já movimenta bilhões. Do outro, empresários defendem que o foco esteja em combater a ilegalidade e garantir um ambiente de negócios equilibrado. Entre os dois interesses, permanece o desafio de consolidar um mercado de apostas moderno, seguro e capaz de sustentar a confiança de quem aposta e investe no Brasil.
 
								 
															 
								 
								 
								 
								


